Conto | Coisas estranhas - CYBORG

07:50 by Unknown

De
Guilherme Floriano


- Pare de brincar com a comida Ana!
- Ahhhhh mãe - diz Ana rindo.
- Pare Ana, não ouviu sua mãe!

Estefenson está no banheiro, um banheiro pequeno, típico de uma família humilde. Seu pai, sua mãe e sua irmã mais nova, de apenas 6 anos estão jantando. Já está uns 15 minutos no banheiro e não para de ler sua nova edição de "CYBORG", um gibi que conta a história de uma espécie de robô que não é todo máquina, mas tem algumas partes orgânicas.

Seus olhos ficam pregados em cada quadro, em cada página, e toda a trama vai se desenvolvendo, e Estefenson fica extasiado com isso tudo. Para um rapaz de 15 anos, no ano de 2015, ele poderia estar ouvindo funk, chavecando garotas usando cantadas ridículas pelo watsapp, ou até mesmo pesquisando o tópico no google "como chavecar garotas usando o watsapp". 

Não. Estefenson é diferente, ele é obcecado por esse gibi, desde quando saiu a primeira edição ele só pensa nisso, vive isso, acredita nisso. É como se "cyborg" estivesse mesmo entre eles, vivo, existindo.

- Não vai comer? - pergunta sua mãe enquanto ele lava as mãos com o gibi em baixo de um dos braços.
- Não - diz ele enquanto seca as mão na toalha de rosto azul, que sua mãe havia pendurado ali no começo do dia. Tinha cheiro de amaciante - Eu como algo depois.

Estefenson segue reto e retiliniamente, com velocidade para seu quarto. Fecha a porta. Se joga na cama. E abre a primeira edição de "cyborg", para ter algo para ler enquanto não chega o próximo número.

Seus olhos correm pelos quadros, parecem emanar uma luz, a mesma que sai com intensidade dos olhos do cyborg. 

- Queria que você existisse. Que estivesse aqui, e me ajudasse com aquele cara que sempre se esconde em algum lugar da rua depois da aula, para me bater - sussurra ele, vidrado...louco.
- Não sou como você - diz ele olhando para um quadro que mostra o cyborg lutando contra alguns bandidos de rua encapuzados, em um beco - Você é quem eu queria ser.

De repente, as páginas do gibi começam a pesar nas mãos de Estefenson. Se rasgam sozinhas em várias tiras, que voam para todos os lados, o deixando completamente perplexo e assustado. 

Corre para o canto do quarto com olhos arregalados. Ainda no ar as tiras do que fora um gibi, se transforma em metal, um metal prateado, e voam nos braços de Estefenson, os envolvendo, entrando em partes em sua carne, em seus ossos, o fazendo berrar. Ninguém escuta.
Todas as tiras o envolvem, os braços, as pernas, o peito, e parte de seu rosto. Vários compartimentos se criam, barulhos de metal deslizando e se montando o apavoram e o vapor dos pistões em suas costas arrepiam os cabelos de sua nuca.

Um apito contínuo.
Parte de sua visão agora enxerga o quarto como que por uma tela de computador.
O apito cessa.
Estefenson para no meio do quarto arregalado.

Uma voz vem de dentro do metal, fundido em seus ossos e cabeça.
"Você acreditou meu chapa! E aconteceu. Simples assim" 

Como eu irei explicar para minha família que eu virei um cyborg!?

fim