Guilherme Floriano
Eu tenho um amigo de infância, Lucas. Desde uns três anos de idade nós jogamos video-games juntos, ou jogar bola. Ele sempre foi o mais alto, mas ultimamente ele parece mais baixo, mas acho que isso não importa. O que importa é que ele esta muito estranho ultimamente. Quando eu digo estranho, é estranho mesmo, tipo, poderia dizer que é outra pessoa, poderia acenar na rua e chamá-lo de "Sr. estranho".
Faz uns seis meses que ele não responde minhas mensagens, e que ele quase nunca está em casa. Eu mando mensagem no celular dele, mas ele não responde. Eu desconfio que ele está gostando de alguma garota. Sabe como é quando se tem 17 anos e se gosta de alguém, você fica mais retardado que o padre do balão.
Mas não podia ser isso, algo me dizia que não. Se ele se apaixonasse por alguém ou algo assim, desse nível, eu seria a primeira pessoa que ele ia contar, e com certeza não iria esperar 6 meses para isso. Toda essa coisa ta muito estranha.
Mas eu lembro de algo que aconteceu, algo confuso e curioso. Aqui na rua passa o carro do sorvete, é uma espécie de furgão ou trailer, sei lá, que depois das pessoas chamarem e crianças correrem desesperadas como se não houvesse amanhã, ele estaciona e começa a fazer sorvete. É um homem de bigode e calvo, parece ter uns quarenta anos, é magro e tem orelhas levemente pontudas.
Nós estávamos aqui na varanda da minha casa, conversando sobre como Alan Flores, um rapaz que sempre tira sarro de todo mundo, é idiota e ridículo. Arremessávamos algumas pedras adiante, no jardim, minha mãe passava vez ou outra com a vassoura na mão e falava para pararmos com aquilo.
Nós conversávamos e dávamos risadas, procurando algum apelido para Alan, quando de repente Lucas ficou em silêncio e fitou as madeiras do chão da varanda.
- O que aconteceu? - perguntei.
- Psiu - Exclamou ele - Fique quieto, Denis.
Aquilo foi muito esquisito, não sabia do que ele estava falando. Depois de alguns segundos eu consegui ouvir com dificuldade, o carro do sorvete, tocando uma música infantil, sem letra alguma, só alguns toques do que parecia ser um piano para crianças, daqueles bem coloridos.
Lucas de repente olhou para o trailer, o fitou seriamente e franziu de leve as sobrancelhas. Eu olhei para aquele homem, e todas aquelas crianças correndo atrás do trailer.
- Vamos comprar um sorvete? - Disse ele, com um largo sorriso no rosto - Eu pago!.
Toda aquela empolgação foi estranho, ele de repente mudou, e depois mudou de novo. Aquilo não era típico do Lucas, ele geralmente era um cara calmo, em tudo que fazia.
Acordei de manhã ressabiado, tomei um café e comi pão com nata, e continuei muito desconfiado. Depois de alguns dias, eu comecei a perceber que eu não me lembro de nada que aconteceu depois de Lucas me perguntar aquilo. Só me lembro, e ainda não muito bem, de nós atravessando o jardim de casa para irmos até o trailer, que estacionou um pouco á frente, na rua. Mas mesmo assim, isto ainda está muito nublado e esfumaçado em minha mente. Parece não ter acontecido.
Só lembro de quando acordei de manhã, meio estranho.
Ultimamente eu sinto muita vontade de tomar sorvete. O carro costumava passar quase todo dia, mas agora, durante esses seis meses, eu não me lembro de tê-lo visto passar, e nem escutei a música. Sempre escuto a criançada correndo rua abaixo, mas quando olho pela cortina, nunca consigo ver o carro. Ele sempre parece já ter passado, e quando vou á rua para ver a criançada correndo, eu nunca vejo carro algum e nem escuto qualquer música.
Isso tudo ta muito estranho. Pensando bem, acho que teve algo haver com aquele maldito carro de sorvetes.